PRÓLOGO
Devidamente registrada sua imagem em minha cabeça, voltei para casa com a
certeza de que a veria novamente. Priscila parecia que saíra de um livro de
contos de fadas. Tinha uma expressão angelical ao mesmo tempo que seus lábios
grossos contrastavam com seu rosto meigo. Para mim, foi instantâneo gostar
dela: seu olhar desprotegido de aluna novata(pelo menos aparentava ser) e, sua
atenção redobrada como quem quer aprender a cada palavra dita, fizeram-me
aproximar ainda mais para lhe ensinar os primeiros golpes. Minha mão ficou
gelada ao tocar em sua cintura, mas fiz questão de lhe ensinar a posição exata
de cada golpe.
Mais tarde percebi que não era novata( porque ela não me disse nada?),
apenas nossas aulas éram de horários diferentes, mas fiz questão de me adequar
a suas horas de treino, depois as suas dúvidas e por fim aos seus caprichos.
Acho que nem sei a hora exata que me apaixonei por ela. Pode ter sido em um
golpe, um olhar, uma palavra, uma pronúncia...Como homem, entendi que a mulher
ideal é aquela que , de uma forma ou de outra, pertuba você, no corpo, na alma
e na mente.
O que será que ela pensa agora? Se ela pudesse ficar em mim um instante,
saberia, pela sua frieza e inteligência, que sentir não se escolhe, nem se pensa e muito menos se calcula.
CAPÍTULO I:
AGORA , JÁ PASSA DA
HORA.
Na parede pinchada do muro eu leio declarações de amor, e ando calmamente
pelas ruas de Madureira. Engraçado é que desde que comecei a namorar Priscila,
minha vida tem se tornado um diário. Meu tempo foi dividido de duas formas:
quando vou encontar com ela e o que farei depois de nos despedirmos. Gosto da
forma recatada e meio antiquada como namoramos. Gosto da forma virginal que ela
pega em minha mão e de como aceita meus lábios nos seus. E sinto ,que mais ou
menos dia, esse sentimento vai aumentar de uma forma que, somente do lado dela posso pensar a minha
vida.
Caminhar pelo bairro me faz pensar ainda mais nela, na sua branca pele e
suas curvas largas. Olho para as pessoas como se eles fossem infelizes diante
de tudo que sinto. Como se não tivesse igual sentimento , e caminho surdo e
cego para o que acontece à minha frente. O bairro não importa, o trânsito
também. O trem é um elemento neutro e o calor, beirando o insuportável é apenas
coadjuvante diante da hora que já passa de encontrá-la.
Ela vai estar lá, como sempre esteve. Será que ela sabe que todos os
instantes são voltados para o momento que a beijo?
CAPÍTULO II:
SE DANE O EVANGELHO!
Qual será o momento em que elas se encontraram? Tá tudo muito vago
agora... Eu me imagino sofrendo de amor e elas duas trocando olhares “na casa
do senhor”. Ela me contou tudo pelo olhar. Priscila não sabia mentir,percebi
logo isso ao conhece-la melhor: seus olhos não me encaravam, e ela retorcia
levemente seu pescoço para direita como se pesasse a mentira. Segundo me disse,
elas se conheceram na igreja, no domingo e trocaram olhares. Dentro de um ou
outro olhar ficou a dúvida de um desejo ou de uma perversão.
Elas se gostaram de imediato. Instigadas pela curiosidade e por tudo que
estava enrustido dentro das duas. O sinal da cruz não fazia sentido naquele
momento e o sermão do padre em Madureira, pouco importava e era até certo
ponto, lento e entediante. Será que todos percebiam o romance que se instaurava
aos olhos das mães recatadas e diante de imagens que vendiam a ressureição da
carne?
Por que Priscila não me via e não me sentia daquela forma? O que
diabos a fez chegar tão perto da Márcia
,a ponto de, quase beijá–la na igreja e sorrateiramente convidá-la para um
viagem como a mocidade cristã da igreja? Ela nem a conhecia,bastou um olhar
para tudo o que fiz por ela ser destruído. Bastou que quatro olhos se cruzassem
para que todos os bilhetes de amor, flores, horas e horas de dedicação fossem
destruídos. Bastou.
Nada valeu a pena: a atenção quase que exclusiva para ela , o fato de ter
perdido o vínculo com a minha família por criar um elo que achava que era só
nosso. Era só meu.
Priscila não pensou em mim um
minuto, nem no perigo que as duas corriam ao se beijarem em pleno retiro
católico. As duas se entregaram de uma forma que passaram a conviver quase que
diariamente. Aos poucos a rotina ingênua e, até de certa forma, romântica foi
substituida gradualmente pelos impulsos lacivos e frenéticos das duas se
encontrarem e trocarem carícias rápidas e nervosas. Pelo que me disse, ela
sempre compartilhou junto com o desejo um sentimento cristão de culpa, como se
o inferno e o evangelho ainda importasse na sua concepção de vida.
CAPÍTULO III:
GOLPES E GOLPES.
Um dos golpes que mais gosto no Karatê é o Yoko-Geri Kekome, um golpe que
você coloca toda a sua força nos pés, ele é plástico e extramente eficiente
quando aplicado no adversário. Esse golpe ,imortalizado por Bruce Lee, em
diversos filmes que fez, foi o que senti em meu corpo quando Priscila me beijou
pela primeira vez. Era um beijo de medo e de curiosidade. Ela começou tímida e
travada, depois deixou sua boca descansar sobre a minha, deixando para mim o
controle dos movimentos.
Minha língua percorreu seus dentes e todo o contorno de sua boca, e meu
pensamento imaginou todo o seu corpo, minhas mãos timidamente agarravam em sua
cintura enquanto a despia na minha imaginação. Ela ficava na ponta dos pés e eu
me abaixava um pouco. Gostava de vê-la indo a mim, mais alto, e depois a
abraçava querendo protegê-la. Perdi a noção do tempo, mas aquele beijo foi o
maior golpe que recebi.
De todas as lutas e adversários que tive, uma mulher de um metro e
sententa de altura e de lábios doces e
gestos sutis me durrubaram sem qualquer defesa ou ataque que pudesse me
recuperar.
CAPÍTULO IV:
TO TELL YOU THE TRUTH.
Priscila nunca soube que eu me masturbava pensando nela vestida de
coroinha na igreja: nos amávamos embaixo da mesa do padre e depois bebíamos o
vinho nús e sozinhos na igreja. O sonho sempre terminava com uma freira abrindo
a porta da igreja e entrando sem nos perceber. Eu sempre imaginei Priscila mais
solta, menos recatada em meus sonhos. Mais era impossivel cobrar dela uma
circunstância maior diante de seus retrógrados conceitos.
Para falar a verdade estava disposto a me manter casto até o casamento
conforme suas vontades cristãs ultrapassadas, só pelo fato de tê-la
completamente em corpo mente e coração. Um preço caro , muito caro, para quem
namora quase cinco anos e tem no seu sangue a juventude e os hormônios trabalhando contra.
O fato é que criei uma rotina de desejos ocultos por ela e mantínhamos
dentro do código dela uma rotina estranha para driblar nosso impulsos mais
fortes: segunda e terça podíamos avançar o sinal. Amassos mais fortes, abraços
mais apertados e ela até se permitia vestir uma saia ou um short mais curto,
bem como, segurar meu pênis como em uma lição anotômica. Nada além do que
carícias, sem toques mais profundos em mim e nela nunca era permitido tocá-la.
Existiam áreas que fui ganhando conforme a confiança dela por mim aumentou.
Das pernas, minha mão foi subindo às
coxas e o máximo que consegui, antes do casamento eminente foi apertá-la bem
forte na parte interior da coxa, quase perto do seu sexo. Seus suspiros eram
controlados a ponto de pensar que era um robô , como Sean Yong em “Blade
Runner”. Ela se recompunha sempre mais rápido que eu. Bem verdade mesmo, só
depois de chegar em casa e me aliviar era que eu esquecia aquele desejo reprimido
de anos.
Às quartas e quintas íamos ao cinema, e podia mordê-la atrás na nunca que
seus longos cabelos encaracolados escondiam as marcas. Gostava de ver filmes
repetidamente, assim sobrava mais tempo para me preocupar com ela do que com a
trama. O ritual começava pegando em sua mão, apertava tão forte que ela cedia
me mostrando o pescoço, aí lambia delicadamente e mordia sem pensar na dor que
ela sentia e ficávamos até o “the end” nunca até o “fim”, não gostávamos de cinema nacional...
CAPÍTULO V
É NOSSO DEVER E NOSSA
SALVAÇÃO.
Namoramos cinco anos 11 meses e 3 dias. terminamos exatamente a meia
noite, o ciclo foi completo de um namoro que dividiu minha vida. As lembranças
e as dores ficaram marcadas em mim. Impressas e datadas. Havia desistido de
meus amigos, da minha família e de todos. Fiz toda a cartilha de namorado cego
e apaixonado e nem mais respondia aos conselhos e gritos de minha mãe. Priscila
era meu céu, meu foco era ela. E se tivesse que descer ao inferno ao seu lado, dançaria
tango com o capeta, desde que ele não a quisesse, estaria de acordo com as
regras do seu porão. Ela me bastava.
Por ela aprendi a tomar coca ligth, não ir mais a praia, até mesmo faltar
as aulas de Karatê somente para lhe ver. Dela peguei o hábito de ler a bíblia,
a ouvir MPB mais culta,a dançar apertado, a soltar palavras mais doces e a
fazer bom e mau uso das mãos. Como um cego lê um poema em braile, lia seu
corpo. Ela me completava.
Às vezes sonho com ela deixando apertar a minha mão, outras vezes me
soltando em um abismo. Através dela fui me tornando mais romântico, mais suave.
Nada de ataque.Observei mais as pessoas, fiquei menos seco. Comecei a estudar o
judô.
CAPÍTULO VI
ENTRE OS LENÇOIS , NÓS
FOMOS NÓS.
A viagem estava marcada para cinco de dezembro. Vinte dias antes do
natal, antes do martírio de toda aquele jogo cênico católico. A família se
empanturrando de comida e todos (que não estão bêbados) depois trocam
presentes. Era nossa primeira viagem depois de quase três anos de namoro,
adquiri confiança perante sua mãe, mas seu pai não foi muito com essa nossa
idéia. Tivemos que mostrar as reservas do hotel em quartos seprados; o que não
era garantia em nada de que ficaríamos longe de qualquer tentativa de sexo
entre nós. E não fizemos, nos cinco dias de lua de fel que passamos.
De dia saimos para passear pela cidade de Petrópolis. A noite brigávamos
para nos conhecer melhor. Priscila se tornou mais maleável(na viagem somente),
ficou nua e sua nudez me convenceu de que gostaria de ver aquele corpo
envelhecer junto com o meu. Nos lavamos simultaneamente e seu sexo casto e
intocável parecia saído daquelas pinturas românticas de séculos atrás. Ela nua
era ainda mais angelical e mais delicada. Sua brancura deixavam suas veias a
mostra. Seu quadril largo era ressaltado pela sua bunda arrebitada e lisa.
Ensaboei-a lentamente e rezei para que aqueles dias fossem eternos.
Ela estava um pouco nervosa e brincava com meu sexo com uma curiosidade
tamanha. Fez menção de coloca-lo na boca, mais não o fez. Seu ato era
interrompido logo que a imagem da mãe rezando vinha a sua cabeça. Brincamos e
quase a penetrei, o caminho foi fechado pelo fato dela lembrar que a virgindade
deve ser mantida até a palavra do padre. Se fosse o Bispo ela aceitaria a
sodomia?
Tocou-me todas as noite e aceitou minha mão sobre seu sexo, deixou
beija-la o seio com a promessa que não pediria mais isso em dias normais, nem
nas segundas e nas terças.Era sempre acometida pelo remorso de estar traindo os
pais. Disse-me algumas palavras para aperta-la mais nas coxas, gozava de modo
estranho(a seu modo). Rezava depois do pecado.Tocou-me até o limite, se assutou
de ver meu gozo em seu lindo corpo. Mas não cedeu aos meus apelos nem as minhas
ereções.
CAPÍTULO VII
SOLIDÃO QUE NADA.
Às sextas eram dadas ao improviso. Às vezes ela falhava e dizia que tava
cansada para sair. Mas o que ela nunca soube é que eu ia mesmo assim a sua
casa. Ficava olhando no bar ao lado se ela saia ou chegava. Desenvolvi um ciúme
frenético à medida que os anos foram passando, como se tivesse a certeza de que
ela um dia fosse me trair. Em uma dessas sextas, que nem chove ou fazem sol,ela
não quis sair comigo. E cumpri minha rotina olhando para seu portão durante
horas bebendo hula hula no bar da esquina.
Pela primeira vez vi Márcia. Tinha os cabelos curtos e um lindo rosto,era
franzina e parecia uma cantora teen dessas que cantam duas músicas e somem.
Usava uma calça jeans surrada e apertada. Ela entrou na casa da Pricila as
dezoito horas e saiu as vinte e uma com um sorriso de culpa, logo após chegarem
os pais de Prisicila. Ela abriu o portao com um short curto que jamais vira,
disfarcei para ela não me ver. Não desconfiei de nada, apenas segui aliviado
por ter sido uma amiga que foi se confessar com ela em casa. Não é isso que
elas fazem quando estão sozinhas?
CAPÍTULO VIII
SEGUNDA POR FAVOR.
Talvez seja o único ser que gostava da segunda. Porque nas segundas
Pricila era outra. Sábado e Domingo eram da família dela. Esquecia a minha completamente,
almoçava e jantava as vezes com ela e seus pais e domingo era a sabatina de
missas e lamentos.Televisão na sala, recapitulação retrospectiva de minha vida
pela milésima vez. Quais eram minhas intenções e meus gostos e o que pretendia
da vida.Seu pai era o mais irônico, e parecia que ele não me via como um homem
sério de família e muito menos ao lado de sua filha no decorrer dos anos. Não
acreditava em minha paixão.
Sua mãe ao contrário, parecia gostar de mim, me tratava como o filho que
não teve e sempre me indicava o caminho de Jesus para uma salvação futura.A
irmã mais nova era uma adolescente sem peso na casa, ao não ser pelo fato de
que gostava passar de toalha na minha frente ao sair do banho. Talvez um desejo
ou um feitiche. Será que ela sabia do meu sacrifício pela irmã de não tocá-la ?
Ou Me imaginava um santo talvez...
CAPÍTULO IX
SEXO, MENTIRAS E
VÍDEO-TAPES.
Márcia tocava violão na igreja que Priscila frenquentava com a mãe. Era,
inclusive, amiga de trabalho da tia dela. Eu nunca desconfiara desse súbito
romance de verão. Nem passou pela minha cabeça que ela despertaria qualquer
desejo em Priscila.
Saber de tudo, bem depois do acontecido, me fez recapitular todos os
movimentos e troca de olhares das duas durante a missa, bem como, a ansiedade
de Priscila para a missa das dezoito horas dominical. As duas estabeleceram uma
rotina secreta digna de aplauso: encontravam–se às pressas com beijos
sufocantes e abraços lascivos. Eu até imagino os dedos bobos e o prazer que a
rotina secreta dava às duas.
E não teve fim, o último ano da nossa relação foi dada ao cinismo e a
mentira. Mentir, para Priscila, fez parte de seu cardápio diário. A espiral de
enganos e contratempos eram tão grandes a ponto de ela mesmo se trair em
algumas desculpas. Eram dores de cabeça aqui, e a nossa quinta (do cinema e do
seu pescoço) estava perdida. Era sempre voluntária para cuidar da avó na sexta
e rotineiramente me deixava tomando bebida barata ao lado de sua casa em
madureira.
As segudas e as terças foram murchando e sobraram os finais de semana
fatíticos de reza e conversas jogadas fora com sua família,que aos poucos ,
foram me tornando em uma companhia insuportável e com certa dose de ironia.Vez
ou outra , sempre nas terças, ela deixava avançar o sinal dentro da rotina
estabelecida de vermelho ,verde e amarelo.Enquanto cumpria meu ritual e
cartilha ao pé da letra e nada cobrava dela, ela e Márcia se entregavam a
descobertas cada vez mais demoradas.
Em menos de um ano,agora ciente, nossa relação, que para mim e até para
ela, em certo ponto, parecia destinada ao casamento foi se desfacelando em uma
teia de mentiras, amores ocultos e desejos travados.
CAPÍTULO X
UM CORPO QUE CAI.
Quando acabamos, Priscila me escreveu um longo email detalhando toda sua saga lésbica. Mínimos
detalhes, seus erros e seus acertos. Sua paixão por Márcia e toda sua loucura
oculta.E disse que me amava.Pediu para terminarmos numa boa , como se “na boa”
representasse todos esses anos de dedicação, paixão e até certo ponto
renúncias.
Contou ainda que ainda era virgem e que tinha prioridade para resolvermos
esse seu medo cristão antes de qualquer casamento. Nem parecia a menina de
olhos brilhantes e sorriso tímido que conheci nas aulas de Karatê, não era a
mesma adolescente cheia de sonhos e atropelos. Não era aquela que me falava
baixinho no ouvido para parar no melhor momento do beijo, não era mais. As
palavras que li pareciam de uma mulher adulta que sabia muito bem no caminho em
que estava entrando.
Passou-me pela cabeça o fato de que ou não fora ela que escreveu aquele
email ou que não havia caido a ficha de que Priscila amadurecera.Esses anos
todos acho que ela amadureceu anos luz em minha frente. Suas palavras me
condicionaram a um corpo que cai de um prédio e flutua até se esborrachar de
forma estúpida e sem sentido. Uma balão que explode no ar sem a menor
poesia.Fui tolo em pensar que ela me amava ou poderia me amar. Muito tolo...
Priscila não só me passou para trás se tornando adulta como me fez , ao
seu bel prazer, de mero joguete dentro dos seus prazeres escondidos. Suas
descrições, seus detalhes, sua crônica naturalista de seus desejos e seu tom
até mesmo poético para descrever certas atos de Márcia foram me enchendo de um
medo misturado a um ódio da pessoas que racunhosu aquelas palavras. Será que
elas fizeram juntas? Será que se chuparam enquanto riam de mim? Será que o Deus
católico tão cultuado nos domingos mornos de Madureira não davam remorso nelas?
Ou seria o cinismo a tônica universal para driblar o pudor?
Estava tudo lá: O que elas faziam nas segundas e terças quando Priscila
me deixava literalmente na mão e as sextas em que Márcia entrava e saía de sua casa. Tudo ditado de
uma forma limpa, seca e direta. Com uma redação impecável,como se o português
correto diminuisse minha dor ao ler todas as suas traições e novas descobertas.
Minha reação foi irônica e direta:
“Bom dia . Li tudo e te perdôo.
Conceitue tecnicamente virgem...”
Ela respondeu que tinha hímen, embora tivessse transado diversas vezes
com Márcia. Seu ginecologista lhe informou que estava por um fio sua castidade
e que eu por direito adquirido seria o mais apropriado a rompê-lo. Márcia não
se importaria. Sabia de nossa história(na verdade estória) e achava muito
bonita. Respondi perguntando se Jesus não se importaria com tal fato e ainda
por que para mim restou apenas a metade? O email foi devolvido com secas palavras : “Vá a merda e já foi feito com prazer e carinho, duas coisas que você
nunca vai entender.” Foram palavras da Márcia, tenho certeza, Priscila jamais
escreveria tal desmantelo, quem ama não destrói.
CAPÍTULO XI
SAMBA , SUOR E
CERVEJA.
O pior de quando tudo acaba são as cobranças de bens e serviços. O cds
emprestados, os eletrônicos que compramos juntos, com quem ficam? quem devolve?
Quando? Priscila não me cobrou seus cds do Lenine e de suas cantoras(todas
sapatas) que ela insistia que devia ouvir. Eu tampouco cobrei o dvd que
compramos juntos. O destino nos separou e não são cacarecos comprados com um
certo sacrifício, que farão nos unir agora e nem serão motivos de brigas
desnecessárias. Não brigamos, nem nunca terminamos oficialmente.
Ficou pra depois aquela última palavra, aquele último olhar, aquele adeus
moco e a briga tradicional de acusações e rancores enrustidos. Ela saiu de uma
relação e entrou em outra e não ia me dar a chance de cuspir em sua cara,
palavras que tampouco ela estava afim de escutar.
Não nos ligamos. Ficamos com a solução prática e fria do email. Ela não
sabe que a odeio agora, mas também não quero tirar da cabeça aquela menina que
me deixou a boca livre para explorar, que errava o katar só para ser ensinada.
Que ria do nada. Que rebolava delicadamente, que se deixava consumir pelos meus
braços. Queria que ela agora estivesse com sua cabeça em meu ombro chorando e
pedindo desculpas. Como se tudo não passasse de um impulso irresponsável, de
uma aventura de uma besteira.
Queria que eu fosse o maduro da relação para lhe dar conselhos e não ser
cosumido por esse ódio que hoje tenho dela. Queria não ser esse personagem de
um samba velho de dor de cotovelo, queria poder lhe dar conselhos e consumir
seu corpo com o mesmo desejo e voracidade que Márcia consumia. Queria lhe dar o
prazer necessário que não a fizesse pensar em um corpo feminino. Queria secar
meu suor em suas curvas e interpretar seus desejos como uma mulher
interpretaria. Não queria ser eu agora.
O máximo que fiz, foi voltar na sexta ao velho bar em Madureira e ver sua
porta fechada em uma noite de chuva. E como se não bastasse o clichê em que
estava envolto, joguei na caixa de correspondência todas as nossas fotos,e me
tirei de todas elas, recortando cuidadosamente com um estilete, como se não
mais existisse e tivesse se desintegrado de sua vida. E fui infantil o
suficiente para ,todo molhado, ainda escrever um bilhete contendo toda a poesia
de quem é traido e enganado durante cinco anos:
“Vai te fuder Priscila”
Nunca obtive resposta e criei outro email para não mais ter o desprazer
de receber suas incômodas descrições e sentimentos de culpa. Terminamos assim,
sem classe e sem poemas, com dois grandes desencontros e muitos enganos soltos.
Com um golpe seco e firme de Karatê ,com a paciência e filosofia do judô.
CAPÍTULO XII
A MENINA DANÇA.
De todos os emails que li, o mais engraçado foi um em que Priscila
tentava justificar o seu gosto pelo mesmo sexo. Engraçado lembrar agora,para
ela a mulher tem mais brilho, mais sal. A mulher não tem pênis e não se
preocupa tanto com a penetração. Para Priscila, ninguém mais conhece um corpo
de uma mulher do que uma outra mulher. E São espelhos. E cortam caminhos,
seguem em atalhos que os homens facilmente se perdem. Alongam caminhos na horas
mais sutis e sabem a hora certa de dar o bote , proporcionando por fim um
prazer cortante e segundo palavras dela, incomparável. Para ela, o gozo era
diferente, embora ela não tenha conhecido o caminho oposto, a sua maneira, ela
fez a escolha e de certo modo, não precisa ver outros caminhos para encontrar o
paraíso.
Suas teses de defesa para o ato que fui vítima eram de tal forma
convincentes que até me deixavam curioso para observar tal momento de amor e
desejo. Ela falava de Márcia como quem falava de um anjo e às vezes, no ápice do prazer de suas
descrições, como uma máquina de amor que sabia e se deixava explorar. Ela
sempre concluia que era demais para mim suprir qualquer necessidade física e
até psicológica de Márcia. Ela dizia também que eu não sabia dançar e nem tinha
pego ela de forma convicente para sentir seu coração pulsar.
Mas ela sempre terminava dizendo que me amava. Seu último email já não
falava em amor, dizia apenas que me conheceu na vida e na hora errada. Serviu-me
de consolo pensar que um dia a teria novamente,mas ter da mesma forma que a
tive...
Eu nunca reclamei da maneira recatada e de sua histeria pelo evangelho
cristão, a mim caberia entendê-la por completo e saber que dentro daquela
menina poderia existir uma mulher que me amaria por toda uma vida.
E de nada adiantou todas as minhas artimanhas e paciência para com ela.
Uma mulher bastou para ela. Dedos ao invés de pênis. Pêlos pubianos suaves e
quase depilados totalmente no seu rosto ao invés da barba por fazer. Seios
pontiagudos e firmes ao invés do meu peito cabeludo, um espelho ao invés do
aposto. Uma mulher ao invés de um menino imaturo. Ser mais participativa ao
invés de ficar esperando o gozo diante da penetração mecânica. Coxa com coxa,
calcinha com calcinha. A defesa ao invés do ataque...
EPÍLOGO
O-soto-gari é um golpe
tradicional do judô. Traduzindo literalmente seria : Grande Ceifada por fora. Você pega seu adversário pelos ombros ,
apoia sua perna esquerda e com a direita dar a grande ceifada deixando-o no
chão. O golpe contrário no judô é O-uchi-gari,
a grande ceifada por dentro, sendo aplicado por dentro das pernas do
adversário, levando-o ao chão.
Às vezes sonho aplicando três golpes em Priscila. Dois do karatê e um do
judô, levando em consideração nossas diferenças de força e massa muscular, acho
que ela aguentaria todos ou pelo menos sobreviveria para contar aos netos sua
batalha de amor.
Sonho aplicando um choku-zuki (um golpe com o punho cerrado na altura do torax) e depois um
Yoko-Geri Kekome (o golpe clássico com um pé no ar bem na altura do rosto). No
meu sonho ela aguentaria toda a violência e ensanguentada viria aos meu braços
e pediria perdão. Depois olharíamos nos olhos e eu a afastaria e lhe aplicaria
sem defesa o O-soto-gari e a deixaria no chão indefesa para depois lhe amar,
com socos , pontapés e dedos.Beijo com sangue, desejo com ódio. No fim nos
beijaríamos...
Assim me sinto com relação a essa minha saga amorosa, não há mais aquele
menino que não se importava com as pessoas ao seu redor, nem ouvia nem falava
com ninguém ,se não com sua amada que lhe esperava em Madureira.E sim um homem
travestido de ódio e perversão, confuso entre a violência e a vingança.
Por isso espanco Priscila em meus sonhos: sua cara disforme , pela
violência dos golpes, é o resto de imagem que ainda sobra em minha memória. Seu
sorriso que me conquistava e me perdia, foram subistítuidos por uma boca envolta
a sangue , com dentes que caem e que deixam seus lábios completamente tortos.
Por isso que a amo de maneira pouco convencional, ela deixa, mas deixa
porque está destruída: não há a delicadeza de Márcia, há a minha brutalidade
que faz mal uso das artes marciais e ainda usa da força física superior para
lhe humilhar e violentar.
Não a seduzo como Márcia, com dedos leves e toques absolutos e precisos.
Dou-lhe golpes sem piedade, sem entender que ela queria ao contrário. Mas minha
mente a faz voltar, mesmo que disforme e espancada, aos meus braços e a
princípio a rejeito para logo depois abraçá-la.
São sonhos assim que habitam minhas madrugadas. Onde Priscila sempre será
personagem; seja em fuga, pedindo perdão, amando Márcia, cuspindo em mim, me
golpeando com um O-uchi-gari , finalmente me amando, trepando comigo, me
socando, sendo socada. De todas as formas ela está lá e me persegue sempre nas
noites de melhor sono e nas insones também...
Todas as situações ainda me levam a ela, e trago a certeza de que a amei
e só me fudi na vida. Há cada um cabe defesas e ataques na vida. Ainda sinto
que só fui atacado e pouco me defendi em minha torta e monótona existência.
FIM
Comentários