Flávio está no trem em direção a Central do Brasil. De pé, ele olha a
paisagem da zona norte que o percurso da linha oferece. Pessoas que por ele
passam reclamam da sua prancha que ocupa um espaço disputadíssimo dentro do
vagão. Ele pensa no mar, e principalmente nas possibilidades que pode dar à sua
vida, caso ganhe o torneio de surf da praia da Macumba. Seus sonhos são
interrompidos com a chegada do ponto final. Com sua prancha, Flávio atravessa a
Central do Brasil em direção ao ponto de ônibus que o leva a zona sul da
cidade.
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Ana sai do banheiro enrolada em uma toalha e se despe em frente ao
espelho do seu quarto. Pega o biquini em cima da cama e o veste cuidadosamente,
colocando logo em seguida um short branco quase que totalmente transparente.
Depois de colocá-lo observa sua tatuagem de dragão na coxa e vira seu corpo
visualizando sua tatuagem nas costas. Passa o protetor solar sobre o seu corpo
e quando termina vai a sua janela olhar o mar da praia do Leblon. Depois de
observar o sol e o movimento da rua,fecha a janela e sai do seu quarto pegando
uma bolsa e seu celular.
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Flávio crava sua prancha de surf na areia e senta ao lado, observando Ana
sair do mar do Leblon sacudindo seus longos cabelos lisos. Ana se aproxima de
Flávio e ele levanta para logo em seguida beijá-la. Ana estende sua canga na
areia e senta ao lado de Flávio, os dois contemplam o mar por uns minutos.
- Se não fosse o
mar a gente jamais se conheceria, né Ana? O mar não faz distinção de classe,
diferente do porteiro do seu prédio.
- Deixa de drama
Flávio! quem vê assim você é algum marginal. Você é meu namorado... E aí? Não
vai cair no mar pra treinar um pouco?
- Claro, não
trouxe essa prancha à toa né? O mar aqui é fraco mas dá pra brincar um pouco.
Assim fico em forma para o torneio.
Ana observa Flávio correndo em direção ao mar com sua prancha. Ela fica
por um longo tempo olhando seu namorado deslizar sobre o mar. As ondas, embora
pequenas, ajudavam Flávio a fazer um pequeno balé nas águas frias do Leblon.
Ana se sentia relaxada ao ver o mar. Desde que se mudara da Bartolomeu Mitre
para a Delfim Moreira, não tinha um dia em que, ao acordar, contemplava o mar
antes de fazer qualquer coisa. O mar a relaxava e a fazia pensar de maneira
mais clara. Através dele se apaixonou por um menino da baixada, nele viu Flávio
ser desclassificado de um torneio de surf ao quebrar a prancha no meio de uma
bateria. No mar também surfava, mas por hobby não para competições. Era nele
que Ana confiava para fazer desviar seus pensamentos ruins e tornar a ter a
mente sã para tomar qualquer decisão. O mar a tirava do mundo.
- Ana?
Flávio está na frente de Ana, que se assusta.
- Caraca Flávio,
avisa.
- Ué garota!
Você que tá em marte. Olha só, eu vou me encontrar com a turma de salva vidas
lá no posto dez. Posso deixar minha prancha no seu ap?
- Pode sim.
Aliás, você podia deixar aqui definitivo ou ainda vai apanhar no trem. Eu quero
meu surfista inteiro.
- Você não quer
ir?
- Não obrigado,
seus amigos são demais pra mim.
- Mas são meus
amigos. Pior seria um almoço no seu apartamento com tudo cronometrado, até
latido de cachorro.
Ana ri
ironicamente.
- Vai logo
Flávio, mas amanhã vamos ao cinema tá?
Os dois se Beijam e Ana carrega a prancha para seu apartamento e Flávio
caminha pelo mar até o posto dez em Ipanema.
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Flávio e Ana haviam feito uma promessa que passariam juntos a virada do
ano não importando com nada que seus pais e ou amigos falassem. Cumprida a
promessa (Ana recusou passar a virada em um luxuoso apartamento da avenida
atlântica e Flávio recusou o convite dos amigos para um reveilon no bairro onde
mora) estão os dois na praia de Copacabana nas intermediações do posto cinco.
Estão abraçados e caminham lentamente pela orla.
- Vamos fazer os
pedidos Flávio, já está quase na hora. Quero ver os fogos. Não vai pedir nada?
Flávio observa bem nos olhos de Ana. O verde deles ficavam ainda mais
resplandecentes no ambiente pseudo noir daquela hora. O que fazia sua namorada
ter um ar ainda mais cativante naquele momento.
- Oi! Acorda
Flávio. A competição é no começo de fevereiro não vai pedir nada?
- Pisa no mar
Ana, vai.
Ana obedece e
fica na beira do mar de Copacabana.
- Dois desejos
realizados.
Ana caminha em
direção a Flávio e os dois se abraçam forte. Eles se beijam sincronizados com
os fogos que anuciam o novo ano.
**
Aquela manhã a praia da macumba amanheceu com um forte sol e ondas
violentas. Um dia ideal para a competição do circuito Surf de verão da cidade
do Rio de Janeiro. A praia lotada era palco para o mais importante torneio da
cidade maravilhosa. Flávio está ao lado da sua prancha, cravada na areia,
sentado e bastante concentrado. Um ritual que sempre fazia antes de entrar no
mar. Não falava com ninguém e pedia sempre para Ana o observar bem distante.
Pensava sempre nos seus amigos da baixada fluminense que tentaram e não
conseguiram estar no seu lugar. Pensava nos olhos verdes de Ana como uma
inspiração fundamental para lhe acalmar. Pensava em sua avó que lhe dizia
sempre para pedir a Iemanjá permissão para entrar no mar. E ele sempre pedia.
Carregava ali todas as suas forças e não perdia a fé nem um minuto em seus
orixás. Não queria vencer o mar e sabia que por mais preparado que estivesse
qualquer desrespeito, a derrota seria iminente. Aprendera a agradecer até as
derrotas, afinal seu fracasso no ano anterior o fez conhecer sua grande paixão.
Flávio retirou a prancha da areia e a carregou indo em direção ao verde mar da
Macumba, a cor dos olhos de Ana.
**
Ana sabia decoradas todas as superstições do namorado antes de entrar no
mar. Respeitava-as. Mas ficava com vontade de pular algumas regras, como
abraçá-lo antes de entrar na bateria para competir. Ficava ali o admirando de
longe e ajustava o binóculo conforme Flávio se movimentava em direção ao mar.
Admirava a maneira como ele levava a sério tudo o que fazia, bem como, a forma
que enfrentava a família dela ao ser questionado do que queria da vida. Sempre
dizia que queria viver do mar. Falava com tanta convicção que conseguia
convencer, a todos, que era obstinado o suficiente para ser qualquer coisa da
vida. Ana sabia que Flávio tinha um respeito diferente pelo mar e sabia também
que gostava ainda mais dela por compartilhar da mesma opinião.
E de longe, Ana continuava
admirando-o, equilibrando-se nas ondas e com sua pele negra refletindo o sol de
quarenta graus daquela manhã. Conseguia ver e até sentir o esforço que ele
fazia para tirar da onda a melhor manobra. Havia estilos de vidas diferentes,
questões sociais e raciais a serem vencidas, mas Ana tinha certeza que
venceriam. Assim como Flávio vencia com amor cada onda, os obstáculos do casal
seriam vencidos como prova de que na vida, fundamental é mesmo o amor.
FIM
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