O ABOMINÁVEL HOMEM DE NEVES
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
Neves é um bairro de São
Gonçalo bem próximo a Niterói, antiga capital do Estado da Guanabara. Bairro da
73ª DP, que teve um grande porto e um imenso comércio de peixes. Neves é o
ponto de partida para a descrição desse assassino diferenciado. Foi em São
Gonçalo que sua mãe, teve a infeliz ideia de gerar filhos: quatro filhos, de
quatro parceiros diferentes. Um menino e três meninas e nenhum pai para ajudar
nas despesas, na criação e nem tampouco na educação dos seus filhos.
A mãe é a figura central;
pelo menos nos discursos do assassino, a cada dez palavras uma é sobre a sua
genitora. Das culpas que o fizeram ser esse violento assassino,estão lá : os
murros, pontapés e instabilidades emocionais, somados a goles e mais goles de
bebida barata, que sua mãe consumia com seus diversos parceiros. Também estão
contidos, a clara concorrência estabelecida com as três filhas, uma Medéia
real, que dedicava carinho aos da rua e cultivava o desprezo, a humilhação aos
seus.
No meu gravador, a
entrevista com o “homem de neves” é um misto de ódio, atropelos e rancor;
rancor aliás, bem forte pela sua mãe. Em pouco mais de quarenta minutos de depoimento,
não consegui encontrar uma palavra de arrependimento dos assassinatos e ou
tentativas. Mas sempre tem lá sua mãe: ela que não se preocupou com sua
educação, que o deixava só com as irmãs, que não o incentivou a fazer atletismo
e que por fim sumiu, levando a irmã mais nova, deixando-o em casa abandonado
com suas duas irmãs, com marcas de mordidas em todo o corpo das duas. A mãe é
inclusive, lembrada e diretamente culpada pelo assédio das suas duas irmãs mais
velhas, pelo tio que assumiu a guarda dos três irmãos. A mãe destruiu e moldou
, segundo ele, sua cabeça. A mãe desfarelou a família e seu caráter.
CAPÍTULO II
TÓPICO FRASAL
Duque de Caxias estava de
frente para São Gonçalo, cidades separadas pela Baía de Guanabara, com uma Ilha
do Governador no meio. São diferentes contextos, mas com muitos bairros pobres
e abandonados em comum. E foi em Caxias, que nosso meliante moldou toda sua
“educação” e treinamento, que o iriam lhe valer o apelido de Ninja da baixada.
Criado por um segundo tio, residente na baixada , o assassino aqui analisado,
foi um adolescente calado e leitor voraz da cultura nipônica dos ninjas.
O feudal, pobre e
abandonado bairro de Capivari em Duque de Caxias, do século XXI, foi cenário
imaginário para o novo espião das sombras, revelados no feudal Japão do século
XV.O Ninja da baixada foi fruto do desprezo da mãe, no bairro de neves em São
Gonçalo, e da total ausência do tio Álvaro. Segundo suas próprias palavras, de
figura materna e presente, só sua tia Maysa que o levava para diversos cultos
demoníacos e satanistas, e que, com a afirmação categórica do Ninja tupiniquim,
sacrificou sua alma ao demônio.
O psicopata de Neves ,
entregue ao capeta e abandonado em Capivari , usou sua imaginação para se
moldar nesse guerreiro obscuro, aprendendo inclusive a forjar suas próprias
armas. Imitações baratas e mal feitas, cacarecos que imitavam, ou pelo menos
tentavam imitar todo o aparato de um verdadeiro ninja: estrelas de arremessos,
esporões de aço, pequenos sabres, bombas de fumaça, arcos, bastões com
correntes. Todos cuidadosamente chamados pelo nome japonês, mostrando sua
devoção total a cultura ninja nipônica.
Foram dois assassinatos assumidos e comprovados,
e uma tentativa de matar sua namorada e fiel escudeira de magia negra, Luciana.
Era impossível não notar seu ar de desespero ao falar de sua amada. Ele foi
enfático ao dizer que tudo saiu do controle após o rompimento. Luciana era sua
parceira “das trevas”, e ouvinte e incentivadora da sua obsessão pela cultura
ninja; mal sabendo ela que também corria riscos.
CAPÍTULO III
DESENVOLVIMENTO
Na madrugada do dia
dezenove de abril de 2008, o 190 teve um chamado de uma mulher que se identificava
como Luciana, aos gritos e se queixando de uma dor provocada por um corte de
uma espada no seu braço. Dizia que estava sangrando muito e gritava que não
queria morrer. Por sorte, uma unidade do SAMU lhe atendeu de pronto, seguidos
de duas viaturas da polícia militar. Luciana foi atendida e levada para um
atendimento mais especializado no Hospital Estadual de Saracuruna.
O Ninja da Baixada,
estava acuado em um canto de um dos três quartos da casa. Cabisbaixo, sentado
no chão e com a cabeça apoiada nos dois joelhos. O quarto, só não estava
totalmente vazio, pois continha todos seus apetrechos de ninja espalhados por
todo canto. As paredes estavam respingadas de sangue, e tudo em sua casa, era
cenário que comprovavam sua intenção de cometer homicídio doloso contra sua
namorada.
Dois Pms o levantaram e o
algemaram. Enquanto os outros dois saíram correndo tossindo do outro quarto. Um
pó forte se espalhava ligeiramente pela casa. Era o kemuridamas , ou uma
versão chula da baixada da bomba de fumaça Ninja, tão descrita e filmada na
cultura japoneja. Esse fato o fez rir dentro do seu relato, e suavizou um
pouco seu ar sisudo e meio esquizofrênico de contar
sua história. O sorriso foi interrompido imediatamente, pela descrição do tapa
que um PM lhe deu para interromper seu ar de deboche, perante a patética cena
de dois policiais fora de forma, correndo, tossindo e topando pelos moveis da
sala.
Enquanto Luciana lutava
para não morrer de hemorragia ou de mal atendimento no Hospital de Saracuruna,
o ninja da baixada enfrentava seu martírio na delegacia de Campos Elíseos. Além
de contar com o tratamento habitual da polícia militar, após uma prisão no meio
da madrugada, teve ainda que ouvir diversas conversas de uma dezena de detidos àquela
madrugada.
No final do seu relato,
ele me disse que sucumbiu a pressão e acabou confessando dois outros crimes:
havia matado uma menina de vinte anos, e arrancado o olho um senhor de setenta
anos. Ambos , devidamente registrados na mesma delegacia. O cansaço, e ainda,
segundo seu relato, somado a certeza de que deveria abandonar o “maligno” pacto
com o demônio.
A noite estava chuvosa, e
Duque de Caxias era ainda mais feia;um ar de abandono, com a eterna chama da
refinaria acessa. Alguns agentes da polícia civil, se amontoavam em volta das
armas produzidas pelo assassino confesso. Risos e surpresas por parte da
polícia civil , misturavam-se com o barulho dos flash de celulares e câmeras
fotográficas dos recém chegados repórteres de jornais.
A televisão chegou mais
tarde, já na hora em que a notícia pipocava nos grandes portais de comunicação
e em blogs independentes. O ninja da baixada já estava famoso, e já se notava
algum alvoroço na 60ª DP, de repórteres tentando entrevista-lo. Alguns policiais,
após um certo agrado de alguns da imprensa, trouxeram o mais novo psicopata a
área principal. De cabeça baixa e devidamente algemado, se recusou a falar com
todos, até observar a sala como uma câmera de segurança, e parar olhando-me
fixamente e dizer em alto e bom som, que para mim ele falaria. Para surpresa de
todos os jornalistas dos grandes jornais, que me olhavam da cabeça aos pés. A
camisa, disse ele apontando para mim. Pela camisa do seu time que eu vestia,
ele me concedeu meu maior furo jornalístico. Minhas preces a São Judas Tadeu
foram ouvidas naquele dia.
CAPÍTULO IV
CONCLUSÃO
Carlos já observava Fernanda
há pelo menos dois anos. Vizinha do bairro de Capivari , era um das milhares de
mães solteiras moradoras da baixada. Mães adolescentes, que se veem presas as
casas dos pais , após o aborto espontâneo do parceiro , namorado ou até marido.
Pais que abandonam seus filhos e parceiras, são comuns com mães adolescentes, e
não foi diferente com Fernanda.
Fernanda era mãe de um
menino de cinco anos, que era conhecido por todos na vizinhança, por ser vítima
de maus tratos da mãe. Carlos sempre testemunhava, tanto a violência como os
choros da criança. Era comum também, ele sempre topar com um ou outro parceiro
de Fernanda saindo da casa dos seus pais.
Em um sábado pela manhã,
Carlos e mais alguns vizinhos foram surpreendidos pelos gritos de Fernanda e
seu pai: os dois travavam um jogo de insultos e palavrões, separados pela
nervosa esposa e mãe, com a criança aos prantos no meio de palavras chulas,
gritos, chutes e puxões de cabelo. O avô tentava proteger a criança, enquanto
sua filha visivelmente bêbada o agredia cada vez mais. Foram quase meia hora
até os ânimos se acalmarem, e Fernanda sair com um homem em uma moto.
Em uma noite de verão
insuportável em Duque de Caxias, no bairro de Capivari, já sem água por duas
semanas, Carlos sai suado por volta das vinte e três horas, vestido todo de
preto e com capuz.Teve pouco trabalho para invadir o quintal da casa do pai de
Fernanda. Sozinha em casa, ele não teve dificuldade de entrar, com silenciosos
passos se dirigir ao quarto da mãe de Sérgio. A observou e enfiou delicadamente
sua espada nas costas de Fernanda perfurando-o coração.
Ele deixou Fernanda sem qualquer reação para
lutar pela sua vida, com um golpe rápido e determinante para a sua morte. Com
pouquíssimo sangue derramado, Carlos retirou o corpo da pequena e magra mulher,
ainda com a espada atravessada seu tórax. Carlos trocou a roupa de cama e
tratou de por o seu plano em prática.
O demonizado assassino,
sabia que a família de Fernanda havia viajado para a região dos lagos, assim
como, a observou entrar sozinha na casa dos seus pais, após uma tarde intensa
de roda de pagode, em um bar da região. Sozinha, e anestesiada pela cerveja
vagabunda consumida, a mãe de Serginho, não só foi morta por ele , como também,
enterrada em um terreno baldio, poucos metros da sua casa. Carlos colocou cal,
pedras e ácido muriático, colocou também café, sal e diversas camadas de pedra
no buraco cavado por ele, há dois dias atrás. O que impressionou os investigadores,
anos depois, foi a forma que ele a atingiu e causou sua morte, com pouquíssimo
sangue derramado e vestígios do seu ato.
O corpo de Fernanda dificilmente
seria encontrado sem a ajuda do próprio Carlos, que contou ainda com a
indiferença da própria família não denunciando o desaparecimento da vítima em
tempo hábil, o que deu uma vantagem ao pseudo-herói da baixada: todo dia ele
achava uma forma de jogar ainda mais entulho no terreno baldio , disfarçando
ainda mais a cova onde Fernanda fora enterrada. Luciana sua namorada e cumplice
, o incentivava tanto nos desconexos rituais de magia negra, quanto ao fato
dele ser um super-herói dantesco daquela cidade , e até mesmo de toda a baixada,
e foi, justamente nesse incentivo, que ele chegou a sua próxima vítima.
Sr. Max de Arimatéia, era
um idoso de setenta anos que estava isolado em uma pequena casa em Imbariê,
após o escândalo que em 2006 o havia afastado do bairro de Capivari: era
frequentemente observado por suas vizinhas, olhando ou pelo menos tentando
olhar, suas netas tomando banho no quintal. Anne e Yasmim, tinham
respectivamente nove e onze anos, e sua mãe Pâmela as confiava ao idoso,
enquanto ela labutava como faxineira em um hospital público no município do Rio
de Janeiro.
Pâmela acumulava ainda,
serviço de diarista em algumas residências na própria capital do Estado do Rio
de Janeiro. Além da exaustiva rotina de trabalho, ela ainda sofria com o tempo
de deslocamento. O fato era que , Pâmela contava ainda mais com seu pai Idoso
para cuidar de suas filhas. A rotina diária, comida, banho, escola, tudo ficava
a cargo do seu pai aposentado e viúvo.
A situação constrangedora
a que foi submetida , fez Pâmela se mudar de vez de Duque de Caxias, rompendo
de vez relações com seu pai. As crianças, em depoimento, diziam que era
constante o avô as observar tomando banho e, ainda, fazer questão de enxuga-las
de forma bem demorada. Depois das denúncias, foi de forma prudente e rápida sua
saída do bairro. Seu Marx, como era conhecido, vivia uma vida de clausura e
descrição em Imbariê. Solitário, em uma pequena casa, vizinha de um terreiro de
candomblé e de uma barulhenta igreja neopentecostal.
Sua moradia não ofereceu
qualquer resistência para a entrada de Carlos. Silencioso e sorrateiro,
adentrou a pequena e humilde residência de forma extremamente cuidadosa.
Trajando seu suado e já envelhecido traje preto com capuz, encontrou o ancião bebendo
água na diminuta cozinha. Marx não teve tempo de ter qualquer reação com o
golpe certeiro no seu peito, que o fez recuar e topar com a pia , o fazendo
desmaiar sobre o chão de lajotas frias e mal conservadas. Carlos se aproximou
diante do combalido aposentado e aplicou um golpe de kung fun , de forma errada
e totalmente mal executada. Marx ainda ensaiou um grito, silenciado por um
golpe certeiro no queixo. O justiceiro então, usou um pequeno punhal afiado e
curvo e retirou meticulosamente um olho de seu Max.
Os gritos do aposentado
foram abafados por mais um soco certeiro, que o fizeram desmaiar mais uma vez,
dando tempo suficiente para a fuga sorrateira do Ninja suado de Duque de
Caxias. O ancião tentava pedir ajuda, mas os sons dos batuques do candomblé de
um lado, e o altíssimo e mal tocado louvor da igreja neopentecostal o abafaram.
Max teve ainda forças o suficiente para sair da sua residência, e adentrar na
igreja aos prantos e ensanguentado sem um olho, produzindo uma imagem em
sintonia com a música, que citava mais demônio do que qualquer outra letra
satanista.
Luciana foi se espantando
cada vez mais com seu parceiro: ele se empolgava cada vez mais com os rituais e
passava dias disperso e imerso na cultura Ninja. Passava horas do dia
trancafiado em seu quarto, treinando com suas espadas, punhais e estrelas, onde
vez e outra, ouvia-se um estrondo abafado seguido de uma onda de fumaça, com o
insuportável cheiro de pólvora.
A noite era sagrado vê-lo
correndo com passos cada vez mais silenciosos, com um saco plástico de lixo
improvisando enrolado na barriga. Em desses dias de corrida exaustiva, Carlos
foi surpreendido por Luciana dizendo que não iria mais compartilhar sua vida
com ele. Que havia encontrado Jesus e para ele esquecer o pacto de sangue,
feito há quase cinco anos atrás. Carlos não pronunciou nenhuma palavra, nem
tampouco esboçou qualquer reação: surgiu na sala com a espada em mãos, já
deferindo um golpe quase certeiro, que com certeza deceparia o braço de
Luciana. Poucos segundos de um desvio por parte dela, separaram a perfeição do
golpe, com a força que o pretenso guerreiro colocou sobre a espada, para
atingir seu objetivo macabro.
Três horas separaram a
violência da sua tentativa de feminicídio da sua prisão. Quatro horas separavam
desse ato, do nosso primeiro contato. Dias depois já preso, pousou com sua cara
melancólica e sem nenhum arrependimento para a câmera do fotógrafo do jornal, o
Geraldo. Luciana, que escapara da morte e de perder o braço no primeiro
momento, se disse aliviada, mesmo perdendo o braço pelo péssimo atendimento do
Hospital de Saracuruna.
Luciana disse que Jesus a
salvou. Carlos insistentemente afirmava que o demônio o fez fazer tais atos,
inclusive atacar sua parceira. Parceira esta, que confirmou os dois crimes do
Ninja.Com a dupla confissão, os casos foram encerrados e marcaram a cidade de
Duque de Caxias com a eterna sombra do Ninja da baixada, residente do bairro de
Capivari, natural da cidade de São Gonçalo, o abominável homem de neves.
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Fim*******
©José Viana Filho