ZEZÉ
VIANA
Maria
José Ribeiro Viana, a Zezé Viana, era uma figura conhecida na cidade de Caxias
no Estado do Maranhão. Em 1987, através do bêbado Zé Portinho, ganhou a alcunha
de Xuxa geriátrica. Era motivo de chacota de alguns moradores, por insistir em
seus mais de sessenta e cinco anos, em usar minissaias, às vezes branca, às
vezes vermelha, com tecido de vinil com um brilho intenso e chamativo. Abusava
e muito de uma maquiagem forte e, diziam as mulheres da cidade, bem caricata,
parecendo em muitas ocasiões um personagem de circo ou de peça infantil.
Zezé Viana não casara e nem tivera filhos. Era
a irmã mais velha, dos seis filhos de dona Iolanda Ribeiro e seu Idemar Viana.
Segundo sua mãe, foi aluna exemplar do Instituto São José, uma excelente filha
e irmã, ajudando a todos sempre que a chamavam. Ajudou a mãe nas tarefas
domesticas até a morte da matriarca, criou todos os seus sobrinhos, que
passavam dos vinte e se agregavam em casa e puxadinhos ao redor do casarão dos
seus pais.
Era
sempre a filha que levava a mãe ao culto na Assembleia de Deus, mas frequentava
a Igreja católica, onde dizia-se sentir bem à vontade para trabalhar com a
pastoral e ajudar os padres no que era possível. Era a responsável pela coleta
do dízimo e comandava à mão de ferro uma equipe de trinta voluntários espalhados
pela cidade. Esse ofício aliás, foi quem a fez conhecida por toda a cidade, da
zona rural da Trizidela até o centro tradicional de Caxias.
O
comerciante João Golinha, muito amigo do pai de Zezé Viana, sempre a
cumprimentava chamando de a moça velha mais elegante da cidade, olhando-a da
cabeça aos pés e suspirando dizendo que era muito areia para o seu caminhão.
Zezé sempre respondia que seu caminhão já estava cheio e velho, saindo e rindo
com seu rebolado característico de uma pós-balzaquiana, de minissaia no começo
da década de sessenta.
E
foi a moda da década de sessenta, que despertou em Zezé o interesse de andar em
sintonia do que acontecia no mundo. Era consumidora voraz de revistas e
fotonovelas e sempre que possível, se amontoava na praça ou na casa de uma
vizinha mais rica, para ver na televisão as novelas e programas de auditórios
que ditavam moda na época.
Aproveitava
para ir com as amigas nas sessões do Cine Rex, ficando quase sempre sozinha
quando emendava duas seguidas, de tão fissurada em decorar falas, gestos e
roupas. O cinema era sua fuga, mas também um parâmetro ainda mais atualizado,
do que a TV e a revista não podiam lhe fornecer. Suas duas melhores amigas, Matilde
Macêdo e Moisele Tobias eram as que compartilhavam sempre desses momentos
cinematográficos.
Foi
do cinema, aliás, que ela tirou os apelidos para Matilde (Petit Macêdo), a
pequena Macêdo, e Poupeè Tobias, a boneca Tobias, palavras retiradas dos filmes
franceses, películas das quais, ela se debruçava horas assistindo no pequeno e
único cinema da cidade. Suas duas fieis amigas eram bem mais novas do que ela,
uns vinte anos de diferença, o que causava um contraste em ver: duas jovens
senhoritas e uma quarentona vestidas e maquiadas da mesma forma.
Foi
na década de setenta, com cinquenta e poucos anos que Zezé Viana começou a
chamar atenção por seu modo de vestir e até de falar. Recusava-se a vestir com
qualquer roupa que não fosse da década de sessenta, falando também com uma voz
com entonação de menina. Dizem que foi pela morte seguida dos seus pais, no
final da década de sessenta, que Zezé Viana retornou ao seu guarda roupa de minissaias
e visual “Barbarela”. Não se sabe ao certo, mas sua amizade com a costureira
Fernanda, uma ex miss que se especializou em realizar o sonho das mulheres da
sua cidade: podia levar qualquer modelo de roupa de revistas, de fotonovelas
que ela adaptava sem dificuldade.
Zezé
a chamava de Fernandinha, e até certo ponto, a sua companhia ajudou a
substituir a amizade com Matilde e Moisele. A pequena Macêdo foi para Santa
Inês procurar novos horizontes ao lado da sua irmã mais velha. E a boneca
Tobias, casou e foi morar na capital. Fernandinha adorava os desafios que Zezé
fazia a ela: roupas da década anterior, com referências geralmente em fotos de
filmes que ela retirava dos semanários que consumia vorazmente.
Zezé
Viana não era amante da moda da década de setenta e no decorrer dela, foi cada
vez mais retroagindo no tempo com suas roupas. Ficando inclusive amante dos
vestidos acinturados da década de cinquenta, que Fernandinha fazia quase que em
série para ela. Andava pelas ruas de Caxias arrancando suspiros dos mais velhos
e galhofa dos mais novos. Virou personagem e referência para quem queria se
referir a mulher que não aceitava que o tempo passou, e insistia, através das
roupas e amizades, em dizer que não envelheceu.
Em
1990 saiu em alguns jornais e revistas, pela extensa fama de imitar as roupas
das apresentadoras de programas infantis. Uma setentona que se vestia parecida
com a Xuxa, Mara e Angélica. Dizia-se livre para vestir o que desse na telha, e
que seguir a moda estava fora de moda. Tinha um fã clube ardoroso em sua
defesa, que dizia que ela levava Caxias para o Mundo. E na mesma proporção
moradores, inclusive parentes, que falavam que ela precisava ser internada e
que manchava a história da cidade, conhecida como a terra de Gonçalves Dias, e
que não poderia ser associada a uma idosa com roupas de adolescentes.
Maria
José Ribeiro Viana, a Zezé Viana, morreu aos setenta e dois anos, em 1994, em
sua casa e fora enterrada sem muito alarde no cemitério municipal da cidade de
Caxias, com túmulo, caixão e velório doados pelo então Prefeito Paulo Marinho.
Um cortejo simples com muitos aposentados e que terminou com João Sekeff Filho,
filho de João Golinha, fazendo um discurso apaixonado em defesa de uma figura
ilustre que se recusava a envelhecer na cabeça, mesmo que o corpo teimasse em
provar o contrário.
Cobrou
do prefeito Paulo Marinho, uma escola municipal com seu nome e apelou ao
empresariado, por uma escola de moda que fizesse do legado daquela mulher: que
se recusava a seguir a moda atual, exagerava na maquiagem, e ainda, que era
sinônimo de quem exagerava nas minissaias. Aquela mulher que tampouco ligava
para julgamentos e em sua mente parou nas décadas de cinquenta e sessenta; sim
essa mulher, disse João Sekeff Filho, essa mulher merecia ser imortalizada como
nossas memórias infantis e adolescentes, que nos acompanham a vida toda. Seu
caixão foi enterrado ao som de “banho de lua” imortalizada por Celi Campelo,
cantora da qual Zezé era fã.
FIM
©José Viana Filho