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A MULHER DO LAURO




Da série "Relicário de Lembranças"






A MULHER DO LAURO


I
Nossa senhora me dê a mão, cuida do meu coração.



Era dezembro de 1948, o município de Caxias no Maranhão estava em plena estiagem ou brobó, como assim chamavam os moradores. Era um período de altas temperaturas em todo Estado. Lauro era um coletor fiscal recém empossado, e andava por aquela região montanhosa, cheia de buritis, carnaúbas e bacuris. Era um trabalho insalubre, sempre com estradas nem sempre asfaltadas e com muito, muito calor.
Chegar em Caxias aquele mês era alívio. Uma das maiores cidades do Estado, tinha todas a benesses, que um viajante como Lauro, gostaria de ter: um hotel confortável e principalmente um bom restaurante. A cidade vivia os anos de ouro do então prefeito Eugênio Barros, futuro Governador do Maranhão. Sua chegada coincidiu ainda, com os festejos de Nossa Senhora da Conceição, Santa que dava o nome da Igreja da Matriz.
A festa atraia muitos devotos, transeuntes de toda região, assim como, da baixada, dos vales do Mearim e Pindaré, e até das capitais do Maranhão e Piauí: São Luis e Teresina. Lauro chegou a tempo da missa das 18:00 horas, como bom devoto foi logo agradecendo a Nossa Senhora da Conceição pela proteção dos perigos do ofício da sua profissão.
Foi logo na saída da missa noturna, que Lauro olhou Maria do Socorro; era bem branca (uma palidez que aumentava seu charme) com um rosto quadrado, olhos castanhos escuros e cabelos longos e lisos. Ela estava acompanhada de sua Mãe, dona Maria do Carmo e do seu pai, seu José de Ribamar, sendo os dois de famílias tradicionais da cidade de Caxias. Seu José Ribamar era um grande comerciante de secos e molhados de toda região, e ainda, um entusiasta exportador de carnaúba, segundo o mesmo, o ouro de Caxias e todo o sul do Maranhão.
Lauro sentou na barraca próxima onde Maria do Socorro e sua família sentaram. Ela era a filha mais nova, e única mulher, de uma família de cinco filhos, os outros quatro meninos, que não foram à Missa das 18:00 horas: Jose Ribamar Filho, Aluísio, Pedro e Hélio. O coletor se deliciava com uma gostosa torta de camarão seco e uma cerveja, enquanto olhava discretamente para a mesa de Maria do Socorro. Ela mesmo, já havia percebido as leves investidas do olhar de Lauro para sua mesa.
Lauro já estava quase estabelecendo uma comunicação visual como Maria do Socorro, quando foi interrompido por Helder, uma dessas figuras simpáticas e caricatas do interior. Sem profissão certa, às vezes vigilante, às vezes lavador de carros estacionados na praça. Um combona piauiense que sabia tudo da cidade. Muito observador, tratou logo de dizer que a menina era o xodó da família e que seu Riba, o pai, era muito zeloso com sua filha única. Disse também, para um atento Lauro que buscava saber mais e mais informações, que Maria do Socorro saia muito pouco e só era vista nos festejos da igreja católica:  do padroeiro da cidade, São José, da semana santa e de nossa Senhora da Conceição.
Dona Maria do Carmo, a mãe, era uma devota agradecida por alcançar uma benção feita para sua filha; que Helder com sua barriga proeminente e bermuda acima do umbigo, não conseguiu dizer qual. Lauro estava tão entretido com a narrativa do simpático morador, que perdeu de vista sua nova musa. Aquietou-se ao vê-la novamente no início da rua, já com uma roupa diferente da que vira na Missa. Trocaram novamente olhares, antes de Maria do Socorro sentar-se à mesa com sua família, e ficar olhando fixamente para sua mãe.
Já passava das 23:00 horas, quando Lauro e Helder já estavam na décima cerveja. Animados pelos papos sobre a profissão de Coletor, e dos causos da cidade de Caxias, os dois foram interrompidos, assim como, o forró puxado pelo sanfoneiro Apolônio Viana, para o pronunciamento do prefeito Eugênio Barros, conhecido na cidade por seus belos discursos e pela pronuncia impecável da língua portuguesa.
Logo após o belo discurso do prefeito, Padre Eurico fez as honras da festa, e anunciou o leilão de galetos para ajudar nas obras da Igreja. Helder, com a cara vermelha de tanta ingestão de álcool, tratou logo de convencer Lauro a arrematar um dos galetos, e oferecer à família de Maria do Socorro. Sugestão aceita pelo Coletor Fiscal, que travou uma disputa justa com o fazendeiro Macêdo. A cada lance ofertado por um, era dobrado pelo outro e assim foi até o preço do galeto se aproximar ao valor de vinte do mesmo. Quem sorria abertamente, era Padre Eurico que nunca viu uma ave assada ajudar tanto em uma obra paroquial.
Seu Macêdo recuou, deixando suas filhas apreensivas e com fome. Ele tratou de aclama-las, e disse que os três últimos seriam arrematados por ele, em um valor menor do que o afoito Coletor havia arrematado o primeiro. Padre Eurico pediu aplausos ao vencedor, e fui surpreendido por Helder, que tratou de agarrar o microfone, e falar de forma firme e bem alta, que o galeto seria oferecido para a Família ilustre de seu José de Ribamar e dona Maria do Carmo. E não contente ainda, disse que o nobre Coletor Lauro, oferecia especialmente para a linda, pura e discreta filha do casal. Helder se despediu saldando Nossa senhora da Conceição, com seu José de Ribamar agradecendo o “nobre” galeto, com risos dos quatros irmãos e Maria do Socorro olhando fixamente para sua mãe.

  
I I
Enquanto a chama arder
Todo dia te ver passar


O mês de dezembro de 1949 ficou marcado na vida de Lauro, tanto pelas amizades que fez em Caxias, quanto pela imagem que ele levou daquela menina tímida e recatada. Maria do Socorro ficara na sua cabeça, ao ponto de somatizar o fato de nunca mais vê-la. "Encucou" tanto com a ideia de voltar a cidade, que solicitou férias para março. Estava disposto a passar os festejos do padroeiro da cidade, São José, para tentar enfim conversar com sua musa de tez assustada e esbranquiçada.
O ano de 1950 ficou na lembrança de qualquer caxiense, pelos grandes festejos de São José. O então prefeito Eugênio Barros, estava usando todo seu prestígio de bom administrador, para galgar o cargo de Governador do Estado do Maranhão. A festa do padroeiro da cidade era o pretexto ideal para, de forma indireta, fazer do evento um grande palanque; e assim o fez.
Lauro chegou na segunda quinzena do mês de março, e ficou na pensão de Dona Susana, uma índia meio sisuda, especialista em peixe no forno com arroz de cuxá. A pensão, simples e organizada, também ficava na mesma rua da Igreja de São José e da praça Cândido Mendes, onde aconteciam os festejos. Outra boa coincidência, pode-se dizer também esperteza, a casa de Maria do Socorro ficava bem próximo da pensão, na rua Aarão Reis.
Os festejos começavam desde segunda-feira, mas era na sexta-feira onde todos faziam questão de ir à Praça. Toda a sociedade Caxiense, empresários comerciantes e fazendeiros, políticos de toda região, eclesiásticos, além claro, de boa parte da população da cidade, que aproveitavam para dançar, comer e se divertir nas diversas barracas com seus atrativos, espalhadas pela praça.
Lauro convidou Helder para beberem no Boteco ao lado da pensão, no finalzinho da tarde, para acompanharem a movimentação para o início dos festejos, logo após a tradicional missa das 18:00 horas. E lá estavam os dois na sua quarta ou quinta cerveja, quando Maria do Socorro passou bem maquiada e com um vestido um tanto quanto brilhoso para o horário ou ocasião. Passou em direção da sua casa, para logo após uns vinte minutos, passar com outra roupa, bem mais simples e sem maquiagem; e assim o fez durante duas horas, indo e voltando alternando roupas e maquiagens, batons mais claros, outras bem chamativos e sempre com um olhar altivo e fixado em um ponto imaginário.
Helder, com seu humor peculiar e já calibrado pelas 18 cervejas bebidas em menos de três horas, tratou logo de alertar Lauro, para que preparasse o bolso para comprar tanta roupa e maquiagem para a digníssima dama caxiense. Lauro riu, porem disse, que seria uma honra convolar núpcias com uma mulher tão bonita e charmosa. Já passavam das 19:30 horas, quando os dois se despediram e combinaram de se encontrar próximo à entrada da igreja de São José por volta das 20:30 horas.
Lauro se distraiu esperando por Helder, na porta da Igreja de São José e Nossa Senhora da Conceição. Estava ali parada olhando o movimento da praça, e admirando o discurso apaixonado do ex governador Sebastião Archer para e pelo prefeito Eugênio Barros. Seu estágio letárgico só foi interrompido por Helder, que estava risonho e animado, pois o desengonçado e prestativo amigo ,estava com a missão de levar o coletor Lauro à mesa da família de Maria do Socorro.
Lauro resistiu um pouco, mas fora convencido por Helder a ser levado, a pedido de seu José de Ribamar, para conhecer toda a família. Tratou logo de tomar duas doses de fogo paulista , e comer dois crocantes torresmos da barraca de dona Georgina, simpática albina quituteira da cidade. E lá foram, ao som dos aplausos para o discurso do então prefeito Eugênio Barros, Helder e Lauro , e se dirigiram àquela que seria a mesa da família de Maria do Socorro.
  Seu José de Ribamar era só sorrisos, um pouco estranho para um homem que vivia sisudo, e sempre aromatizando com seu charuto. Era conhecido por seus arroubos de ignorância, com sua doce mulher Maria do Carmo, e também, por não nutrir empatia algum por nenhum filho. Mas era conhecido por sua predileção por Maria do socorro. Sempre foi visto passeando com ela desde de criança no seu Ford Coupé, e gostava de mimá-la com todo tipo de presentes: era famoso por ter prazer de comprar sempre as roupas e maquiagens da moda. Pois era esse homem, que ali estava rindo e apertando forte a mão de Lauro, como se o conhecesse há tempos, ou ainda, como se fosse o genro ideal para ele e sua doce esposa Maria do Carmo.
Quando Padre Eurico vendeu o ultimo galeto para seu José de Ribamar, depois dos outros nove terem sido arrecadados por seu Macedo e sua extensa família , Helder , já tomando de pouco mais de vinte cervejas e alguns goles de cachaça de caju do Piauí , tratou de tomar o microfone do padre Eurico, e gritou , como se sem microfone estivesse, que aquele galeto arrecadado por mais de quatro vezes o valor de compra, era por assim dizer, uma oferta a São José e Nossa Senhora da Conceição para abençoar o mais novo casal: O coletor e a menina de seu José de Ribamar. Era uma benção eles se aproximarem, continuava Helder sobre o olhar reprovador de Padre Eurico, entre dois festejos dos santos dessa paróquia. E terminou pedindo um viva aos noivos, e exclamando logo após findarem os tímidos aplausos, um  “gloria vós senhor!”



  
I I I
Isn't It A Pity ?


Na porta da casa velha, sempre se sentava uma senhora que era a diversão dos meninos que ali passavam e brincavam na rua. Eles paravam de jogar “travinho” com uma bola dente de leita surrada e suja, para ver aquela senhora de quase sessenta anos, mas que aparentava muito mais, entrar em casa , trocar de roupa e voltar desfilando na varanda da sua carcomida casa. Ali, que já fora um Bagalô dos mais belos e tradicionais da cidade, era hoje uma casa onde habitava Maria do Socorro e mais duas empregadas.
Helder sempre aparecia para dispersar as crianças, que ali paravam e galhofavam da senhora idosa. Ela, vivendo em seu mundo particular, alheia a qualquer maldade, parecia usar aquelas nem tão ingênuas crianças para seu público: era evidente sua alegria ao ir e vir com roupas e maquiagens diferentes, em um espaço de menos de vinte minutos. Parecia tão alheia a qualquer outra realidade do mundo, que era nítida sua pureza e ingenuidade, fato que irritava ainda mais Helder, diante de todos que ali paravam para rir ou até mesmo xingá-la.
Ele correia até dispersar, e quase sempre ameaçava dizer aos pais, mesmo que nem conhecesse sequer a procedência de muitos que ali passavam, ou até mesmo chamar o delegado, que enfim dizia ser muito amigo, e que poderia dar cadeia perturbar a vida daquela senhora ou de qualquer cidadão que fosse. Por fim sentava no famoso boteco da Luciana, ou simplesmente Lu. Famosa por seus assados com batata e a cerveja gelada. Era quase um guardião dali,  meio que um ancião adotado, que vivia de favores nos quartos do fundo do bar, em troca de comida e por as vezes, levar alguns clientes que iam visitar a igreja de São José e Nossa Senhora da Conceição.
Assim Helder ia passando seus dias, mas volta e meia se pegava falando sozinho e lembrando a história de Lauro e sua mulher. Cismava em balbuciar na tarde ensolarada e vazia daquela rua, que só costuma ter movimento quando alunos de diversas escolas voltavam para casa, ou de trabalhadores cansados da labuta para esquecer um pouco o dia, que ali sentavam para beber o que Lu tinha de melhor para oferecer: sua cerveja gelada. E era a dona do Bar que provocava Helder a sempre contar a história da mulher do Lauro, pois as vezes, ele se mantinha em um estágio tão letárgico ,que era necessário faze-lo interagir  com todos do bar, e esse caso era o impulso necessário para garantir quase que duas horas de uma história repleta de suspense e drama.
Por coincidência, nesse mesmo dia de arruaça dos pretensos jogadores infantis de futebol, um jovem jornalista estava sentado no bar e indagou Helder sobre a história daquela senhora , vestida com roupas da década de sessenta e setenta, que ele tanto protegia. A dona do Bar , já foi logo provocando e dizendo que havia aparecido a chance Helder brilhar no relato do caso. Helder, no auge dos seus sessenta e cinco anos, tratou logo de pedir seu preço: cerveja enquanto durasse o relato, e iscas de alcatra temperadas com muito coentro, cominho e pimenta do reino. A iguaria era uma das especialidades da Lu, que abriu aquele sorriso para seu amigo de bar e figura já tombada na cidade.
O jornalista André tratou logo de pedir duas cervejas bem geladas e, além do pedido de Helder, mandou vir o famoso assado desfiado com batatas da Lu. Depois de dois grandes goles de cerveja, Helder começou o relato descrevendo todo o início da amizade com Lauro, a importância dos festejos de São José e Nossa Senhora da Conceição, para o encontro dele com Maria Socorro. Descrevia tudo com tanto esmero, que era impossível não sair do relato com pelo menos uma pequena dúvida, de que toda aquela estória não seria de fato uma história da cidade.
A medida que Helder continuava a história, aumentava a conta de André. O mesmo não se contentou apenas com dois pratos de aperitivos, e dizia ser o maior caso de amor e tragédia de Caxias, merecendo, portanto, ficar bem alimentado e calibrado. Depois de mais um caldo de ovos e uma grande porção de frango a passarinho fritados no azeite de côco, Helder disse que o noivado de Lauro e Maria do Socorro não demorou dois meses, e que eles se casaram nos festejos juninos, mas especificamente no dia de São João, vinte e quatro de junho de 1950. Um casamento com muita pompa, que parou a região. O prefeito Eugênio Barros fora um dos padrinhos dentre as duas dúzias de personalidades da sociedade da cidade.
Parecia um conto de fadas, que logo na noite de núpcias desmoronaria: Lauro, compareceu ao cartório logo no dia seguinte para pedir que o casamento fosse anulado. Um escândalo para a cidade. Logo depois se dirigiu a paróquia e contou tudo ao Padre Eurico. A notícia logo se espalharia muito rápida por todos os bairros da cidade, mesmo antes de Lauro sair da Igreja e se dirigir ao comercio de seu José de Ribamar. Ao contar para padre Eurico, ele também o fez para todas as carolas, que ali estavam para a reunião dos festejos de São Pedro. Dona Gigi, que era uma delas, tratou logo de dizer que ele estava certo, porque para ela aquela menina sempre foi avoada demais. Não daria certo.
A cidade que ainda comentava a grande festa do casamento, onde os fotógrafos nem tinham ainda revelado as fotos do casório, onde os músicos sanfoneiros Apolônio e  Hipólito, ainda curtiam a ressaca na pensão da Dona Susana, e ainda, se ouvia o barulho de engradados de bebidas vazios sendo recolhidos no clube municipal , teve que driblar a ressaca para entender o escândalo que o casamento de Lauro e Maria do Socorro causara.
André se impressionara como o entusiasmo de Helder era proporcional ao apetite para comer e beber. Tratou de pedir uma porção de coração de galinha, parando a cerveja e pedindo uma rodada saidera de cachaça de caju, em uma singela homenagem para o pretenso contador piauiense de “causos” da cidade. Helder se entupia de farofa e coração de galinha todavia, tinha fôlego para dizer que Lauro em sua noite de núpcias em sua bela casa, presente dos pais de Maria do Socorro, teve a paciência de aguardar Maria do Socorro se preparar naquela noite. Aguardara, mesmo que um pouco bêbado, depois da sua grandiosa festa de casamento. Após ter a bela visão de sua esposa, vestindo uma linda camisola vermelha e uma maquiagem que realçava seu belo rosto, achou que valeu toda longa espera. Maria do Socorro se aproximou dando-lhe um beijo na testa, e tratou logo de sair do quarto correndo e sorrindo.
Assim o fez, durante quase toda noite, e segundo relatos de algumas beatas da cidade, Lauro havia dito a Padre Eurico que foram mais de cinquenta camisolas trocadas e sempre com uma novidade na maquiagem. Há quem diga que ela se mostrou até com vestido de noite, e ousou até em colocar um espartilho com um belíssimo corselet preto. Vestia-se e despia-se com uma facilidade de quem treinara a vida toda, dos seus pouco mais de dezessete anos. Lauro tentou beija-la e só conseguia um sorriso quase infantil seguindo de um “espera já volto”. E foi assim a noite toda, até Lauro esgotar-se e dormir, acordando vez ou outra, com uma incansável Maria do Socorro desfilando pelo quarto do casal.
Helder disse que seu José de Ribamar aceitou resignado sua filha “ser devolvida”, ainda mais com juramento de Lauro de que o casamento não havia sido consumado. Lauro tratou de seguir sua vida de coletor, e dizem que casou e teve filhos lá pelas bandas do Vale do Pindaré, não sabendo ao certo a cidade, e que, muito provável tenha se estabelecido em Santa Inês do Maranhão. Já a família de Maria do Socorro entrou em desgraça: a primeira a morrer foi dona Maria do Carmo, aquela santa, fiel esposa e mãe se apegou a um luto tão forte, que mal se via nas missas matinais de domingo. Morreu uns cinco anos depois, dizem que fora consumida pela diabetes, assim como, fala-se que dona Maria do Carmo, mesmo sabendo do diagnóstico, era uma voraz consumidora de doce de buriti, uma iguaria muito comum em Caxias, o que com certeza acelerou sua morte.
Seu José de Ribamar manteve-se firme e sisudo, após a viuvez não casou novamente, teve breves casos com umas três ou quatro meninas mais novas, namoros frívolos, rápidos e sem um compromisso oficial. Tratou, até sua morte no final da década de oitenta, de cuidar de sua filha, passando todos os seus bens a ela e fixando uma pensão para dependentes financeiros. Ignorou seus filhos e travou uma briga, que teve até certo ponto teve um desfecho irônico: enquanto seus filhos se preocupavam com a morte do pai e seus bens, todos faleceram antes de seu José de Ribamar.
Helder interrompeu o relato, para colocar palito entre os dentes e beber uma cajuína gelada. Dizia que aquele era o segredo de nunca o terem visto dando vexame na cidade, pois aquela bebida de calda de caju cortava todo o efeito do álcool e até de receber santo. Terminou agradecendo a André, e dizendo que sentia falta do amigo que desde o episódio de seu casamento, tratou de tirar Caxias do mapa da sua vida. E ele falava com uma entonação menor, que seu amigo estava certo. Saia sempre do bar e se dirigia aos fundos da casa, onde iria descansar para ver o jornal das oito. Agradecia a quem pagava e se ocupava com seu caso, e também, agradecia a Lu pela comida e moradia e finalizava agradecendo ao falecido Eugenio Barros, que segundo Helder, foi o maior governador que o Maranhão já teve, como foi o maior prefeito da cidade de Caxias. E que fora o Governador que conseguiu um emprego na prefeitura, que rendeu a ele, uma pequena aposentadoria. E foi seu Eugênio também, finalizava o glutão piauiense, a testemunha mais nobre do caso conhecido como “A MULHER DO  LAURO”.


FIM


©José Viana Filho

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