SEU SANTOS
José de Ribamar Silva Santos era um funcionário que todo patrão gostaria
de ter: assíduo, discreto e vestia a camisa da empresa como nenhum outro. No caso,
a Companhia União Caxiense , dona da fábrica têxtil localizada na
praça do Pantheon , área central da Cidade de Caxias no Maranhão, foi a
felizarda de tê-lo como funcionário. Supervisor geral da linha de produção, não
deixou, nos seus trinta e sete anos de empresa, nenhuma vez a produção cair.
Tinha a mão todas as funcionárias, e sempre fez questão de participar de todos
os processos de seleção, desde que assumiu a supervisão.
Esposo de Dona Iracema Carneiro Lago e pai de Sandra Mara, conhecida como
a primeira Dentista da Cidade, e orgulho de Seu Santos. Sempre que ia nas
reuniões do Lions Club e exacerbava no consumo de vinho, danava-se a recitar Gonçalves
Dias e dizer aos quatro cantos que era pai da primeira feminista da cidade, que
criara sua filha para ter independência e saber discernir os males do mundo. Tido
por todos como pai e marido exemplar, e ainda por gozar de prestígio e poder no
maior grupo empregador da cidade, era sempre convidado para ser padrinho em
convites que vinham de todas as classes sociais da cidade. Acabou, até o final
da sua vida, nos seus setenta e nove anos, acumulando cento e vinte e sete afilhados.
A rotina dos seu Santos era bem repetitiva, acordava as quatro da manhã e
fazia seu desjejum sempre ao lado da sua esposa, lia o jornal e reclamava
sempre da situação política do Estado. Falava que faltava um Caxiense para
tomar as rédeas do poder e que o problema da pobreza e atraso do Maranhão era a
baixada. Tomava seu café, enquanto Dona Iracema o ouvia ralhar quase em um monólogo
repetitivo e enfadonho todas as manhãs. Ao levantar da mesa, ajustava seus suspensórios
e subia a calça acima do umbigo, e já no banheiro, arrumava seus cabelos
laterais com muito gumex, e os poucos
fios que restavam na parte de cima da sua cabeça , tentava fazer uma
distribuição , inútil diga-se de passagem, para disfarçar sua calvície.
Morava bem próximo a Fábrica de tecido, na casa que foi uma herança do
seu sogro João Carneiro, herdeiro da maior empresa têxtil da cidade, sogro que
aliás lhe assegurou o emprego desde seu casamento com sua filha. Fato que
incomodava muito o supervisor, que vivia repetindo, até mesmo para quem não quisesse
ouvir, que aquele trabalho ele mantinha porque dava seu sangue , e exigia muita
responsabilidade , que ele em seus arroubos de soberba e pouca modéstia , dizia
ter de sobra.
Sua fama, além de ser um supervisor exigente e nada simpático , era de
calças suspensas , virando inclusive sinônimo para quem usasse calça ou
bermudas acima do umbigo. Era motivo de risos e olhares dissimulados das meninas
da linha de produção de corte, local que segundo o próprio seu Santos , era o mais
difícil de se adequar a disciplina de uma fábrica. Foi de lá que saiu o maior número
de demissões, quando já no final de década de sessenta a empresa já se
preparava para fechar as portas.
As meninas da linha de corte, foram acusadas, mesmo sem provas, de
produzirem um judas vestido com trajes de futebol , mas especificamente do time
do flamengo, com o calção do time bastante acima do umbigo, com a cara do seu
Santos. Ficou lá pendurado desde quinta-feira até sábado de aleluia, e só foi
retirado quando o guarda do turno avisou o homenageado da brincadeira de
péssimo gosto. O fato fez com que, não só a festa da páscoa fosse cancelada,
como também, seu Santos executasse a demissão de vinte das quarentas mulheres
da linha de produção, causando uma onda de acusações e fofocas por mais de dois
meses dentro da fábrica.
O fato só foi apaziguado , diria até esquecido, depois da certeza que a
fábrica iria de fato encerrar suas atividades, fato que ocorreu em mil
novecentos e setenta , com seu Santos comandando todo o processo de demissões e
acertos e com sua aposentadoria garantida. Depois de todo o exaustivo processo,
sempre era visto pontualmente as seis da
manhã ,na padaria do seu Ibrahim , com sua bermuda acima do umbigo, blusa de
botão e sandálias de couro.
Adquiriu o hábito quase que obsessivo por dominó, se tornando até um
grande campeão em diversos torneios de praças pela cidade. Não suportou muito
viver essa rotina de aposentado, vindo a falecer cinco anos depois do
fechamento da fábrica. Dona Maricota, contava aos quatro cantos, que o viu no
prédio da Assembleia Legislativa, na rua do Egito, quando do ato festivo pelo
tombamento do prédio da Fábrica , pelo então Governador Caxiense João Castelo
em mil novecentos e oitenta. Quando questionada se ela havia visto de fato ele,
a idosa sempre respondia que nenhum outro fantasma, se daria o trabalho de usar
as calças tão acima do umbigo como seu Santos o fazia.
©José Viana Filho