Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundíssimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
(Augusto dos Anjos)
No primeiro momento o filme “Ressurreição” choca: sua proposta de fotos que vão se comunicando por fades e corte secos montando um painel de violência com copros multilados, arrastados, estuprados, dão um impacto necessário para se levantar da cadeira e sair.O filme é bem mais do que só fotos de mortos, e, quem consegue ficar até o final e atentar para os detalhes da composição de Arthur Omar, pode até sair com uma bela lição ou melhor com belas lições sobre a fé , a carne ou qualquer outra relação que se junte ao provérbio: do pó vieste ao pó voltarás.
O elemento diegético que vai contribuir para a mensagem das fotos ter esse tom messiânico é a canção católica “Queremos Deus”.Seus acordes e sua letra causam um mal estar ainda maior, somando-se as fotos que são cuspidas no decorrer do filme, dando ainda, um ar irônico de fotomontagem ou de uma “vídeoarte” que demonstra a banalização da violência atual. “Queremos Deus que é nosso rei” , clama a música, enquanto passam pelos nossos olhos um defunto pendurado e outro amarrado nas mãos com um tiro na cara. “Queremos Deus que é nosso pai” termina a letra, como se a ressurreição do título fosse um consolo para um mundo violento e banalizado como o nosso.
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