
Existe aquele cd que você muda de posição na estante, perde, quase quebra, joga no lixo por acidente, empresta, perde de novo, mas ele sempre volta às suas mãos, devagar, maroto, silencioso...
Ele te consome horas e horas repetidas (com prazer lógico), e chegam as canções, letras, acordes, indo e voltando. Se fosse um vinil viraria de lado para o outro, do lado "a" para o lado "b", mas como é um cd, vou e volto controlando na mão e não na antiga agulha...
Pois bem, o cd é "BICHO" do mago baiano, Caetano Veloso, de 1977. Uma pérola do vinil copiada para cd. Caetano já havia, a esse ponto, se libertado das correntes e da estampa tropicalista, já havia sofrido toda a influência do exílio londrino...

Era uma época que o militarismo flertava com a anistia, de doces bárbaros (Gal, Bethânia, Gil e Caetano), uma época ainda negra, que não impediu que esse poeta do Recôncavo, fizesse uma obra tão singular que gruda, gruda, gruda, nos ouvidos e no coração...
O disco "Bicho" não é panfletário (muito embora a época pedisse isso) e possui três canções que eu adoro: "Gente", "Um índio" (uma das letras de Caetano Veloso que mais gosto - tocando ao fundo no blog) e "Two Naira Fifty Kobo" (essa grudou e não sai da minha cabeça e é uma homenagem rasgada ao rei Pelé)
Ainda sobra tempo para uma homenagem explícita para Sônia Braga em "Tigresa" e uma releitura da música do genial Jorge Ben (ainda assim, antes do Ben Jor), em "Olha o menino". Sobram minutos para "Odara", "Leãozinho" , "Grande Borboleta" e a mística "Alguém Cantando".
Pois é com "Alguém Cantando" que encerro esse post (com a letra abaixo). O disco é isso: um exercício para limpar os ouvidos das rádios atuais, uma viagem gostosa de idas e vindas nos acordes e letras de Caetano Veloso. Imperdível, antes de ser escutado... Uma prisão, depois de ouvi-lo.
Alguém cantando
(Caetano Veloso)
Alguém cantando longe daqui
Alguém cantando ao longe, longe
Alguém cantando muito
Alguém cantando bem
Alguém cantando é bom de se ouvir
Alguém cantando alguma canção
A voz de alguém nessa imensidão
A voz de alguém que canta
A voz de um certo alguém
Que canta como que pra ninguém
A voz de alguém, quando vem do coração
De quem mantém toda a pureza da natureza
Onde não há pecado nem perdão
Comentários