O Nordeste se mostra em um filme que inspira.
"A primeira impressão é a que fica". Ao assistir Árido Movie fiquei com a sensação de que o diretor Lírio Ferreira (Baile Perfumado) leu minha alma. Faço parte de migrantes que perderam sua identidade perambulando pelo Brasil e ainda do público que torce para o cinema nacional embarcar em idéias inteligentes e bem filmadas (o que é o caso desse filme). Uma grata surpresa para um final de semana vendo filmes, nem sempre bons, de outras países.
O filme conta a trajetória de Jonas (Guilherme Weber), um jornalista que apresenta a meteorologia na TV, em São Paulo, capital. Ele recebe a notícia de que seu pai foi assassinado em Rocha, cidade fictícia do interior de Pernambuco, onde foi prefeito. A volta de Jonas a Rocha irá lembrar-lhe muito de quem ele é, ou poderia ter sido, embora nunca tivesse voltado à região desde a infância.
E é dentro dessa trajetória que vemos a estética do sertão ser desenvolvida. Tudo isso sem estereotipar e sem cair na mesmice ao retratar um região tão deturpada (pela tv principalmente) como o sertão nordestino. O caminho que Jonas segue até o enterro de seu pai é entrecortado por diversas estórias que dão ao filme uma narração carregada de humor, drama e tons oníricos.
O roteiro do filme (foi premiado pelo Ministério da Cultura como projeto BO (baixo orçamento, onde o diretor também assina) descreve com maestria questões referentes à seca, a política no Nordeste, ao massacre indígena, misticismos em demasia e até sobre plantio da maconha no interior pernambucano.
Lírio Ferreira conduz seu filme (que foi selecionado para o festival de Veneza em 2005) de forma que todas as estórias tomem seu rumo, dialogando entre si, sem cair em discursos vazios e ou em narrações herméticas. Árido Movie concentra-se em passar sua mensagem: a falta de água e o excesso de informação sem perder em nenhum momento o fio da narração.
E conta com interpretações acima da média de atores como: José Dumont que faz o índio Zé Elétrico, José Celso Martinez Corrêa que faz meu velho (uma espécie de Antonio conselheiro atual) um líder religioso que cultua a água em seu "palácio" , Giulia Gam é Soledad, artista plástica que vai ao Vale do Rocha pesquisar para criar uma instalação - e vive um romance com Jonas e ainda Selton Mello que interpreta Bob (amigo de Jonas). Aliás, são dos três amigos de Jonas que temos as cenas mais divertidas do filme.
Palmas para a trilha sonora (quase toda do cantor compositor Otto) e para a fotografia de Murilo Salles, que simplesmente me fez sentir em casa. Esqueçam as novelas bobocas que fantasiam o Nordeste. Lírio Ferreira consegue passar suas mensagens sem transformar o sertão nordestino no picadeiro para o sudeste rir. Senti-me em casa e com a certeza de que o cinema nacional (pelo menos os diretores pernambucanos) faz seu dever de casa, com um baixo orçamento (onde de fato se vê tudo o que foi gasto) e sem perder a linha e ou copiar velhas fórmulas decadentes de narração. "Se queres ser universal, fale de sua aldeia".
Obrigatório ver, onde o filme estiver passando

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